CARTA DO ZÉ COCHILO (da roça) PARA SEU COLEGA LUIZ (da cidade)
SÓ RINDO MESMO!!!
Leiam até o final. É interessante e verdadeiro.
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Pra
ajudar com as vacas de leite (o pai se foi, né ), contratei Juca, filho
de um vizinho muito pobre aqui do lado. Carteira assinada, salário
mínimo, tudo direitinho como o contador mandou.
Ele
morava aqui com nós num quarto dos fundos de casa. Comia com a gente,
que nem da família. Mas vieram umas pessoas aqui, do sindicato e da
Delegacia do Trabalho, elas falaram que se o Juca fosse tirar leite das
vacas às 5 horas tinha que receber hora extra noturna, e que não podia
trabalhar nem sábado nem domingo, mas as vacas daqui não sabem os dias
da semana, aí não param de fazer leite. Ô, os bichos aí da cidade sabem
se guiar pelo calendário?
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Essas pessoas ainda foram ver o quarto de Juca e disseram que o beliche
tava 2 cm menor do que devia. Nossa! Eu não sei como encompridar
uma cama, só comprando outra, né Luis? O candeeiro eles disseram que não
podia acender no quarto, que tem que ser luz elétrica, que eu tenho que
ter um gerador pra ter luz boa no quarto do Juca.
Disseram ainda que a comida que a gente fazia e comia juntos tinha que
fazer parte do salário dele. Bom Luís, tive que pedir ao Juca pra voltar
pra casa, desempregado, mas muito bem protegido pelos sindicatos, pelos
fiscais e pelas leis. Mas eu acho que não deu muito certo. Semana
passada me disseram que ele foi preso na cidade porque botou um
chocolate no bolso no supermercado. Levaram ele pra delegacia, bateram
nele e não apareceu nem sindicato nem fiscal do trabalho para acudi-lo.
Depois
que o Juca saiu, eu e Marina (lembra dela, né? Casei) tiramos o leite
às 5 e meia, aí eu levo o leite de carroça até a beira da estrada,
onde o carro da cooperativa pega todo dia, isso se não chover. Se
chover, perco o leite e dou aos porcos, ou melhor, eu dava, hoje eu jogo
fora.
Os
porcos eu não tenho mais, pois veio outro homem e disse que a distância
do chiqueiro para o riacho não podia ser só 20 metros. Disse que eu
tinha que derrubar tudo e só fazer chiqueiro depois dos 30 metros de
distância do rio, e ainda tinha que fazer umas coisas pra proteger o
rio, um tal de digestor. Achei que ele tava certo e disse que ia fazer,
mas só que eu sozinho ia demorar uns trinta dia pra fazer, mesmo assim
ele ainda me multou, e pra poder pagar eu tive que vender os porcos, as
madeiras e as telhas do chiqueiro, fiquei só com as vacas. O promotor
disse que desta vez, por esse crime, ele não vai mandar me prender, mas
me obrigou a dar 6 cestas básicas pro orfanato da cidade. Ô Luís, aí
quando vocês sujam o rio também pagam multa grande, né?
Agora pela água do meu poço eu até posso pagar, mas tô preocupado com a
água do rio. Aqui agora o rio todo deve ser como o rio da capital, todo
protegido, com mata ciliar dos dois lados. As vacas agora não podem
chegar no rio pra não sujar, nem fazer erosão. Tudo vai ficar limpinho
como os rios aí da
Mas
não é o povo da cidade que suja o rio, né Luís? Quem será? Aqui no mato
agora quem sujar tem multa grande, e dá até prisão. Cortar árvore
então, Nossa Senhora! Tinha uma árvore grande ao lado de casa que
murchou e tava morrendo, então resolvi derrubá-la para aproveitar a
madeira antes dela cair por cima da casa.
Fui
no escritório daqui pedir autorização, como não tinha ninguém, fui no
Ibama da capital, preenchi uns papéis e voltei para esperar o fiscal vir
fazer um laudo, para ver se depois podia autorizar. Passaram 8 meses e
ninguém apareceu pra fazer o tal laudo, aí eu vi que o pau ia cair em
cima da casa e derrubei. Pronto! No outro dia chegou o fiscal e me
multou. Já recebi uma intimação do Promotor porque virei criminoso
reincidente. Primeiro foram os porcos, e agora foi o pau. Acho que desta
vez vou ficar preso.
Tô preocupado, Luís, pois no rádio deu que a nova lei vai dá multa de
500 a 20 mil reais por hectare e por dia. Calculei que se eu for multado
eu perco o sítio numa semana. Então é melhor vender e ir morar onde
todo mundo cuida da ecologia. Vou para a cidade, aí tem luz, carro,
comida, rio limpo. Olha, não quero fazer nada errado, só falei dessas
coisas porque tenho certeza que a lei é pra todos.
Eu vou morar aí com vocês, Luís. Mas fique tranquilo, vou usar o
dinheiro da venda do sítio primeiro pra comprar essa tal de geladeira.
Aqui no sitio eu tenho que pegar tudo na roça. Primeiro a gente planta,
cultiva, limpa e só depois colhe pra levar pra casa. Aí é bom que vocês é
só abrir a geladeira que tem tudo. Nem dá trabalho, nem plantar, nem
cuidar de galinha, nem porco, nem vaca, é só abrir a geladeira que a
comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisá de nós, os criminosos
aqui da roça.
Até mais Luis.
Ah,
desculpe, Luís, não pude mandar a carta com papel reciclado, pois não
existe por aqui, mas me aguarde até eu vender o sítio.